Sabrina Soares Piau
O artigo trata da mudança no entendimento do Tribunal Superior do Trabalho acerca da responsabilidade do dono da obra e do empreiteiro em relação aos trabalhadores atuantes na construção civil, e a quem incumbe o ônus probatório quanto a prova da inidoneidade do empreiteiro.
1. Entendimento pacificado pelo TST até 2017.
O tema vergastado anteriormente fora regido pela OJ nº 191 da SBDI-1 do TST, sob o entendimento de que ao se tratar de construção civil, o dono da obra não arcaria com responsabilidade solidária ou subsidiária acerca dos trabalhadores que laboraram na obra, recaindo a dita obrigação somente sobre o empreiteiro.
Tal entendimento se justificava em razão do dono da obra geralmente sequer conhecer os pedreiros e demais trabalhadores encarregados da construção, sendo estes diretamente contratados pelo empreiteiro e a ele se reportando, justificando a razão pela qual se aplicava a responsabilidade direta do empreiteiro sobre esses contratos até então.
A citada Orientação Jurisprudencial assim determina:
OJ. SBDI-1. 191. CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE. (nova redação) - Res. 175/11, DEJT divulgado em 27, 30 e 31/5/11 Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.
2. Mudança de entendimento acerca da responsabilidade trabalhista do dono da obra a partir de maio de 2017.
A diretriz da OJ n. 191 da SBDI-1 do TST foi recentemente modificada pela decisão colegiada firmada pela própria Seção de Dissídios Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho suscitada em Incidente de Recurso Repetitivo (IRR), de caráter vinculante, modificando o entendimento anteriormente praticado e evidenciado na OJ n.191 acerca da responsabilidade do dono da obra.
A mudança se justifica pois, sob o prisma da OJ n. 191, caso o empreiteiro não realizasse os pagamentos e demais obrigações contratuais e não tivesse como arcar com eventual execução trabalhista, os trabalhadores ficavam prejudicados.
Partindo dessa análise, e visando evitar o prejuízo dos trabalhadores, o TST obtemperou que o dono da obra de fato não tem obrigação direta com os trabalhadores, porém, tem responsabilidade acerca da escolha do empreiteiro, já que os contratos com os demais derivam dessa relação inicial.
Assim, sob os preceitos da nova análise, o empreiteiro permanece como primeiro acionado na execução trabalhista, todavia, o dono da obra passa a ser subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas advindas da obra, em caso de inadimplemento e comprovação de que foi realizada contratação de empreiteiro sem idoneidade econômico-financeira.
Vale ressaltar que a responsabilização do dono da obra não se restringe a pessoa física ou micro e pequenas empresas, abrangendo também empresas de médio e grande porte e entes públicos, excepcionados os entes públicos da Administração direta e indireta.
Essa perspectiva passou a ser aplicada aos contratos de empreitada celebrados após 11 de maio de 2017. No tocante aos contratos já vigentes antes desse marco inicial, esses continuarão regidos pela redação ainda vigente da OJ n. 191 da SBDI-1 do TST, razão pela qual a OJ n. 191 não foi revogada.
Segue decisão em caráter vinculativo na qual o TST aplicou o novo conceito:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. EFEITO MODIFICATIVO. INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO. TEMA 0006. CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA. RESPONSABILIDADE. DECISÃO DE CARÁTER VINCULANTE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS 1. A SDI1 do TST.
No julgamento de recurso de revista repetitivo, firmou a tese de que, excepcionados os entes públicos da Administração direta e indireta, o dono da obra é subsidiariamente responsável por obrigações trabalhistas não adimplidas do empreiteiro que contratar sem idoneidade econômico-financeira, por aplicação analógica do artigo 455 da CLT e com fundamento em culpa in eligendo. 2. Mudança de paradigma a impactar diretamente a atual diretriz sufragada na OJ 191 do TST, no que, sem qualquer distinção, afasta a responsabilidade do dono da obra por obrigações decorrentes dos contratos de trabalho firmados com o empreiteiro. 3. Necessidade de modulação dos efeitos da decisão proferida sob a sistemática de recursos repetitivos, ante a profunda repercussão jurídica, econômica e social de seu conteúdo, sob pena de vulneração à segurança jurídica das relações firmadas à luz de entendimento jurisprudencial até então pacificado no Tribunal Superior do Trabalho. Aplicação dos artigos 896-C, § 17, da CLT e 17 da instrução normativa 38/15 do TST. 4. Embargos de declaração providos para, ao sanar omissão, mediante a atribuição de efeito modificativo, acrescer ao acórdão originário a tese jurídica 5, de seguinte teor: “5ª) O entendimento contido na tese jurídica 4 aplica-se exclusivamente aos contratos de empreitada celebrados após 11 de maio de 2017, data do presente julgamento”.
(TST PROCESSO TST-ED-IRR-190-53.2015.5.03.0090, ACÓRDÃO SBDI-1, INCIDENTE EM RECURSO REPETITIVO, CARÁTER VINCULANTE, DATA DO JULGAMENTO 9/8/18, DATA DA PUBLICAÇÃO 15/10/18)
Cabe ressaltar que o ônus de provar a referida inidoneidade econômico-financeira fica a cargo do autor da ação.
A decisão em caráter vinculante gerada pelo Incidente em recurso repetitivo já está sendo utilizada como padrão para decisões posteriores, como demonstram as ementas abaixo transcritas:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DONO DA OBRA. APLICAÇÃO DA RECENTE DECISÃO PROFERIDA PELA SBDI-1 EM JULGAMENTO DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO (IRR). CONTRATO DE EMPREITADA.
A discussão dos autos gira em torno da possibilidade de o dono da obra ser responsabilizado subsidiariamente pelos créditos trabalhistas devidos ao empregado. O entendimento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais deste Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do Incidente de Recurso de Revista Repetitivos TST-IRR-190-53.2015.5.03.0090, de lavra do Ministro-Relator João Oreste Dalazen, julgado em 17/05/2017, é o de que, em regra, a “responsabilidade solidária ou subsidiária por obrigação trabalhista, a que se refere a Orientação Jurisprudencial 191 da SBDI-1 do TST, não se restringe a pessoa física ou micro e pequenas empresas, abrangendo também empresas de médio e grande porte e entes públicos”. No mencionado julgamento, firmou-se a tese de que o dono da obra responderá subsidiariamente pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas quando contratar empreiteiro sem idoneidade econômico-financeira (item 4). Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.
(TST-RR-RR: 12894.2016.5.22.0107, Relatora: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 12/03/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/03/2019)
II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS N. 13.015/2014 E 13.105/2015. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA DONA DA OBRA. INIDONEIDADE ECONÔMICA DO EMPREITEIRO.
Após o julgamento do Processo TST-IRR-190-53.2015.5.03.0090, pela SBDI-1 Plena, submetido à sistemática dos recursos de revista repetitivos, firmou-se tese no sentido de que “exceto ente público da Administração direta e indireta, se houver inadimplemento das obrigações trabalhistas contraídas por empreiteiro que contratar, sem idoneidade econômico-financeira, o dono da obra responderá subsidiariamente por tais obrigações, em face de aplicação analógica do art. 455 da CLT e de culpa “in elegendo”. No caso, restou evidenciado pelo Eg. Regional a inidoneidade econômica do empreiteiro contratado pela segunda reclamada para a execução de obra de construção civil. Nesses termos, correto o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da segunda reclamada, dona da obra. Recurso de revista não conhecido.
(TST-RR: 34333.2014.5.15.0108, Relator: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 02/08/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/08/2017)
3. Conclusão
Como demonstrado, o entendimento jurisprudencial acerca da responsabilidade por encargos trabalhistas na construção civil foi modificado, o que representa um avanço na proteção ao trabalhador, passando a recair sobre o dono da obra (excepcionados os entes públicos da Administração direta e indireta) a responsabilidade subsidiária caso comprovada contratação do empreiteiro sem idoneidade econômico-financeira, sob ônus da prova do autor.
*Sabrina Soares Piau é advogada, graduada pela Universidade do Distrito Federal-UDF e pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela ATAME.
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